segunda-feira, 28 de junho de 2010

O MAIS LINDO PÔR-DO-SOL

A vida é uma só. Não lembro a primeira vez em que me deparei com qualquer pessoa falando sobre isso, nem lembro o local, muito menos quantos anos eu tinha. Mas hoje tenho certeza que essa frase não teve o mesmo sentido durante todas as minhas idades, as minhas incertezas, as minhas prioridades, durante todos os meus pensamentos. Dia desses eu estava dirigindo, voltando de qualquer lugar comum-cotidiano e um pouco adiante, distraída, vi uma pracinha belíssima, linda. Havia um simplório escorrego e por trás dele as árvores altas, muitas. O horário? Eram quase seis da tarde, e, como vocês devem imaginar, dependendo do lugar onde vocês moram, o sol estava se pondo. Não me contive, parei o carro! O pôr-do-sol mais lindo que eu já vi, mais lindo até do que aquele visto em praia deserta no mês de janeiro, mais atraente até do que aquele famoso que todo mundo viaja quilômetros para bater uma foto, mais aconchegante do que aquele de fim de viagem-chegando-ao-local-desejado, mais mais que todos esses. Por quê? Porque foi inesperado e eu estava sozinha. E tudo isso deveria combinar com a gente. Isso de levar a vida inesperada e solitária. Isso de dirigir sem destino, sem esperar, para quem sabe não termos uma linda surpresa ao encontrarmos o mais lindo pôr-do-sol atrás da próxima curva, da próxima esquina. Utópico, porque a gente anda sempre enrolando, adiando, fazendo espirais de palavras (não nossas) em volta daquilo (nosso) que deveria ser dito em linha reta, dura, firme, e, que acabaria fazendo sentido, pois: a vida é uma só. Vivamos, então. Não, melhor, no imperativo assim: VIVA-A, então! Então, não tenha medo de dirigir por aí! Falo isso por experiência (pouca, mas válida, dado que afirmem não existir experiência inválida), é que durante muito, tanto tempo, até demais, eu tive receio de conduzir a minha própria vida, era dependente de alguém no banco ao lado, andava sempre levando alguém no banco de trás, por isso, sempre transportando malas alheias no meu guarda-malas. Isso quando não o faziam tudo por mim: me abandonando num canto escuro qualquer do meu quarto, calando a minha boca, roubando a chave do meu carro e correndo a 100km/h em ruas que eu deveria trafegar ou não, mas que enfim, eu teria que ter tido a opção de escolher, afinal, a chave é minha, a vida é minha! Não me interpretem mal, companhia é quase sempre bom, amizade faz bem, família faz falta, mas o nosso carro, os nossos caminhos, os nossos encontros, as nossas ruas, as nossas praças, e, o nosso pôr-do-sol quem deve traçá-los a todos, somos nós mesmos. Ter alguém do lado é agradável, pode encurtar a viagem, cantar músicas, somar frases, dividir o horizonte. Mas eis que um passageiro não poderia-deveria diminuir nenhuma performance, aliás, não deveria diminuir nada de nada, apenas somar, somar músicas, frases, horizontes. Deveria somar até algo que soe chato mas necessário: coloca o cinto, cuidado com o buraco, mas não exigir, não, cara: Você está de carona! Respeite os caminhos dos seus motoristas-filhos-amigos-pais-familiares-vizinhos! Respeite as ruas, deles, seus encontros, praças. Aceite que cada um sabe das suas esquinas, cada um sabe do seu próprio pôr-do-sol.

Algo como li certa vez; só iremos nos descobrir conjuntamente quando nos descobrirmos individualmente. A frase não era assim, mas o sentido era esse, incluso, claro, algumas considerações-vivências particulares. Assim, eu bem que poderia pesquisar a frase do Saramago e colocá-la aqui, com as palavras certinhas, mas deixa estar, meu bem, nada disso é exigido!

E também sem exigir nada, pois sou apenas uma carona na sua vida, por favor escute as palavras que quero (posso) te somar:

Primeiro, ninguém é obrigado a transportar bagagens alheias, e, segundo, a vida é uma só.
Viva-a, então!

sábado, 26 de junho de 2010

FICA PERTO

eu só queria dizer para você não ir para longe de mim, porque eu sei que a gente tem tanta coisa boa para viver e tenho tanto medo que a gente perca ou se perca nisso e não viva. e talvez por isso vou ficando assim; nessa de não ir além do que as circunstâncias nos permitem, nessa de fazer de tudo para não parecer tudo cedo, precipitado demais, nessa de tentar te mostrar o quão natural as coisas podem ser, nessa de não saber até onde ir! é, eu não sei, não estou sabendo até onde posso ir. por essas e outras vou me sentindo meio boba, tonta, iniciante, confusa de vez enquanto, sabe? porque eu tenho uma porção de coisas guardadas para te dizer, baixinho, tenho uma porção de histórias para te contar, e eu sei você vai sorrir, eu tenho tanta surpresa, cara! e não quero, não posso permitir que ninguém roube isso antes de eu ter a chance de mostrar para você. por isso, já faz um tempo, ando evitando outros olhares porque o que eu quero mesmo é ter você por perto, bem perto. eu sinto vontade de dizer isso a você cada vez que alguém se aproxima de mim e até que vou dizendo, baixinho baixinho baixinho, como aquelas coisas guardadas que eu tenho para te dizer. mentalmente, é, mentalmente assim, fica perto de mim fica perto de mim fica perto de mim.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Se eu acreditasse em destino, diria que foi isso mesmo: o destino!

Hoje eu ouvi uma frase jogada assim no meio de outras como empreendedorismo, inovação, lucros. “As pessoas são essenciais”, alguém disse. Lembrei de você. Pensei o quanto isso faz sentido... é mesmo essencial ter um pouco de fraqueza, de novidade, de ameaça, de receio nessas histórias todas, pelo mundo, que se conectam e re-conectam. Meu bem, se eu não fosse tão descrente dessas coisas todas, eu diria que foi o destino que me fez entrar ali naquela sala, estar ali, com aquelas pessoas, ouvir ali, aquela frase e sentir que aquele seria o momento de escrever alguma coisa qualquer. Sim, porque já faz um tempo que quero te escrever algo; uma cartinha, um bilhetinho, um versinho, um livro, quem sabe?!

Não, meu dia não teve nada de especial... foi um dia comum, de atividades comuns, de pessoas comuns, mas eu ouvi aquela frase jogada e senti que deveria te escrever qualquer coisa e adivinha? Na minha mochila, também comum, só tinha uma, eu juro, eu repito, uma! uma! uma! uma caneta e um pedaço de papel. Comecei a jogar tudo isso guardado, aqui, em mim! Lancei tudo em cima desse papel, que alívio, e por um momento quase tive a certeza que ninguém ali saberia sobre o que eu estava escrevendo, quase tive a certeza que desejaria estar em qualquer outro lugar, quase tive a certeza que apagaram as luzes, que as vozes se calaram e quase tive a certeza que ouvi sua voz dizendo qualquer coisa assim sobre o clima, sobre seus pais, sobre sua cor favorita, por um momento até pensei ter escutado você dizendo que sim, que também pensava em cada palavra, que também observava cada gesto. E dessa forma, você quase me daria certeza de que eu poderia saber tanta coisa que envolve a gente! Ilusão, né? Eu ficar jogando tudo isso assim, tudo isso aqui... jogado mesmo! Jogado porque não tenho você aqui pra conectar tudo, pra colocar um pouco de sentido nisso... quem sabe até transformar as minhas palavras em frases!

Dá um sinal então, pô! Nem precisa ser de fumaça, nem precisa ser tão direto, como esse que eu estou te dando agora! Acende um fósforo, liga uma lâmpada, mudei de idéia... faz uma fogueira, sei lá. Me diz que isso não é coisa só minha, me diz que isso não é coisa somente da minha cabeça. Faz qualquer coisa assim... demora mais no abraço, pronto, faça isso! Me olha e não desvie o olhar, aperta a minha mão na próxima vez que a gente assistir um filme juntinhos. Ou melhor, inventa uma palavra, faça uma palavra nova pra dizer que me quer também, já que está tão difícil dizer assim “quero você!”

Ah, se eu não fosse tão descrente, eu quase tenho certeza que perguntaria seu signo pra ver se combina com o meu. Não, isso tudo não é jogo meu! É tudo sincero demais, demais até... porque com você eu sinto, eu sinto que, finalmente, poderei ser eu mesma e que de qualquer forma estaria perdoada.


Você me desejou uma fé, uma fé enorme em qualquer coisa!
Você nem sabe que eu já a tenho, tanto! Quer saber em quê?
Tenho fé na gente!
- É que eu não tive tempo de dizer que quando a gente quer que alguém fique, a gente constrói qualquer coisa, até um castelo.
O castelo está construído e eu quero que você fique!
Você quer ficar?

terça-feira, 8 de junho de 2010

Sri Lanka, quem sabe? ela me pergunta, morena e ferina, e eu respondo por que não? mas inabalável ela continua: você pode pelo menos mandar cartões-postais de lá, para que as pessoas pensem nossa, como é que ele foi parar em Sri Lanka, que cara louco esse, hein, e morram de saudade, não é isso que te importa? Uma certa saudade, e você em Sri Lanka.
Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha-de-centro em junco indiano que apóia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. Mas tentamos tudo, eu digo, e ela diz que sim, claaaaaaaro, tentamos tudo, inclusive trept, porque tantos livros emprestados, tantos filmes vistos juntos, tantos pontos de vista sociopolíticos existenciais e bababá em comum só podiam era dar mesmo nisso: cama. Realmente tentamos, mas foi uma bosta Que foi que aconteceu, que foi meu deus que aconteceu, eu pensava depois acendendo um cigarro no outro e não queria lembrar. pela primeira vez na vida, você disse, e eu acreditei, pela primeira vez na vida, eu disse, e não sei se você acreditou. Eu quero dizer que sim, que acreditei, mas ela não pára, tanto tesão mental espiritual moral existencial e nenhum físico, eu não queria aceitar que fosse isso:éramos diferentes, éramos melhores, éramos superiores, éramos escolhidos, éramos mais, éramos vagamente sagrados. Cultura demais mata o corpo da gente, cara, filmes demais, livros demais, palavras demais. [...]
Não tenho nada contra decadentes em geral não tenho nada contra qualquer coisa que soe a uma tentativa. Eu peço um cigarro e ela me atira o maço na cara como quem joga um tijolo, ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha angst, saco, mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz.
Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que. Hein? claro que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinqüenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de cl ín k., lembra? você me levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas. [...] As noites não terminavam nunca, ninguém me tocava, mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é o normal, e cadê a causa, meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo? Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a banchá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o cvv às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas tipo preciso-tanto-uma-razão-para-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentrode- mim-bababá-bababá e me lamurio até o sol pintar atrás daqueles edifícios sinistros, mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela pára e pede, preciso tanto tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era, eu então estendo o braço e ela fica subitamente pequenina apertada contra meu peito, perguntando se está mesmo muito feia e meio puta e velha demais e completamente bêbada, eu não tinha estas marcas em volta dos olhos, eu não tinha estes vincos em torno da boca. [...] que aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez... não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta. Preciso me apoiar contra a parede para não cair.

TRECHOS DE "OS SOBREVIVENTES" - CAIO FERNANDO ABREU