quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O busto da Tavares de Lira

As viagens e histórias dos personagens da rua do porto.

Por Jéssica Guerra

Ao lado de um prédio bem conservado da Ecocil Engenharia, em um prédio branco com detalhes azuis, que mais aparentava abandonado, homens desembarcavam cargas. Ao lado de senhores vestidos socialmente que vão trabalhar na Produmar- exportadora de produtos do mar, uma senhora passa com seu carrinho de vender confeites (como chamam os doces por aqui). Ao lado de uma luxuosa Hilux 4x4, um moço de mais ou menos 30 anos estaciona o seu Gol anos 90. Cascas de laranjas, garrafas vazias de água mineral, restos de coco, e, ao mesmo tempo em que uma mulher carrega apressadamente sua enorme bolsa, que faz o movimento contrário ao do seu corpo; quando ela para frente, a bolsa para trás e vice-versa, um homem do outro lado da rua desembrulha uma caixa de picolés e os coloca para vender no freezer. E peixarias, muitas; Pescados Ribeira, Peixaria Seres do Mar, Confrio, Cia da Pesca, Peixaria Marinho, Elenildo Peixes, Mari Pesca, Atlântico Pescador, Art pesca, alguns estabelecimentos que nada têm a ver com peixes ou seres marinhos; o Carneiro de Ouro, o Classificados da Tribuna do Norte, a SEMAD (Secretaria Municipal de Administração), um imóvel sem nome em que você pode estacionar por 2,00 reais e lavar seu carro por 5,00, o Cartório do Segundo Ofício de Notas e, quase no final da avenida, na esquina com a Duque de Caxias; o Procon ao lado esquerdo e a Defensoria Pública do Estado ao lado direito. Um pouco mais adiante a praça José da Penha ao lado esquerdo e, o final da Tavares de Lira que sucumba no cruzamento com a Avenida Rio Branco. A avenida palco dos nossos personagens não é grande, tem cerca de 330m, contados os passos até o final desta; um passo largo igual a um metro. Voltava eu em direção ao carro, quando Carlos me deseja boa tarde ou tarde boa e eu respondo com um sorriso. “Você é do IBGE?”, com os inúmeros papéis na mão eu respondi que não, que era apenas uma estudante de jornalismo, sentei em uma cadeira próxima a ele e perguntei qual era o seu nome. “Carlos Regis, engraxate”.

- Você deve ter filhos, Carlos, quantos anos eles têm?

- Ah! Eu tenho quatro filhos mas isso de idade normalmente quem sabe são as mulheres, né? – respondeu o moço que aparentava trinta e poucos anos e que seria bonito, senão tão maltratado: faltavam-lhe alguns dentes, vestia uma velha camisa cinza e um short de malha preto, um boné na cabeça e um pingente em forma de estrela pregado na vestimenta.

- Essa estrela quem te deu?

- Foi um cara da Indonésia quando eu estive lá.

- Você já esteve na Indonésia, não brinca! E gostou?!

- Adorei, só não gostei muito da comida. Eu pesco também, sabe? De três em três meses estou nesse marzão, por isso conheço todas essas ilhas por aqui; Atol das Rocas, Fernando de Noronha, Trindade, mas também já estive nas Ilhas Canárias, passei por Miami, já pesquei nos Triângulo das Bermudas que é frio pra caramba. Ah! Já estive na Irlanda também.

No instante seguinte, Carlos pediu licença e levantou-se da cadeira decorada com hieróglifos, foi até o outro lado da rua, pois um charmoso senhor parou o seu carro C3 prateado e chamou-lhe pelo nome “Carlos!”. Eu olhei para as sacolas de sapatos que o pessoal trazia para o engraxate consertar, talvez tentando imaginar o perfil dos clientes que ali vieram; sacolas pretas sem nenhum nome, uma sacola da Riachuelo, uma sacola de uma loja chamada Red Cult - que se localiza no bairro Lauzane Paulista em São Paulo, e, uma sacola com apenas uma frase. “Quantas preocupações são perdidas quando se decide não ser algo mas alguém” me recomendava a sacola de Carlos encostada na parede, a mesma parede que denunciava através de uma placa o fato daquela obra ser “in-propia”, escrita desse jeito mesmo. Carlos retornou acompanhado por Magno, o Federal (policial); João, o do Lanche e que está sempre por ali; e, um que não se apresentou, o da camisa do fluminense. Conversamos tranquilamente ao som de La belle de Jour tocada especialmente pelo moço do carrinho ambulante que passava ali por perto. Os personagens da Avenida Tavares de Lira eram muitos e variados, ao mesmo tempo em que Magno usava óculos escuros estilo aviador, camisa adidas azul, short curto e nos falava sobre suas aventuras como policial; João do Lanche, com a sua camisa do CDF Colégio e Curso, insistia em deixar claro o orgulho que sentia pelo fato da sua sobrinha estudar jornalismo; o que não se identificou proferia algumas frases de efeito bem clichês; Carlos mencionava os seus lugares preferidos na cidade e o quanto gostava de um pagode no final de semana; e, eu sorria, ouvindo a tudo atentamente e pensando que talvez, talvez aquele busto da Avenida Tavares de Lira possa ter um significado hiperbólico e metafórico para mim. Um marco na minha vida.

Nenhum comentário: