terça-feira, 14 de setembro de 2010

CARTA A UM PLUTÁQUEO

Memórias recortadas, Sr. Plutáqueo.
Por vezes tento colá-las feito cartas anônimas de letras de revistas, em vão. escolho o melhor papel que disponho, branquinho em folha, bonito de ser visto e revisto e revisitado mas é tudo em vão. não há roteiros por aqui, não há enredo, cena ou protagonistas, há sim recortes de lembranças em fotografias tatus-bola girassóis pandeiros microfones bonecas piscinas laranjas borboletas azuis e mulheres vestidas de freiras. mas a gente tenta, Sr.Plutáqueo, você deve lembrar bem como os terráqueos são insistentes. a gente vive tentando mas o papel já não é mais o mesmo, aliás quase não usamos mais papéis por aqui. ecologicamente correto, romanticamente incorreto.

Sinto saudades de quando você veio me visitar aqui na Terra, Sr. Plutáqueo. me sinto mal às vezes porque sei que a distância não é assim tão grande, posso te sentir no quarto ao lado. e resolvi te escrever essa carta também porque você fará meio século de vida em breve e esse é um dos melhores jeitos que sei dizer o quanto sinto a sua falta.

Você anda bastante ocupado por aí? por mais atarefado que esteja, tenho para mim que ainda sabe o que é música, tenho pra mim que ainda se lembra da nossa música, então. então, não sei ao certo quando foi perdida toda a nossa transmissão mas você deveria relevar, naqueles tempos eram todas as coisas mais confusas e o sentido, para mim, dava-se mais pelo ritual do que pela compreensão. por falar nisso, você sabe me dizer quem desligou o rádio quando eu saí da sala? eu desejaria muito saber porque eu voltei a sentar naquele sofá dez anos depois e alguém voltou a ligar o aparelho para mim. creio que seja a mesma pessoa que o tenha desligado.

E a música que nós cantávamos e cantávamos sentados em um sofá velho era linda, não era? eu lembro bem que eu cantava um verso e você o outro, era bem assim. era! você fazia a voz masculina e eu a feminina. ‘ê vida vida que amor brincadeira à vera, eles se amaram de qualquer maneira à vera, qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá’. simples e bonita essa música. bonito esses versos que hoje fazem total sentido para mim e a vida engraçada que é não deixaria barato, logo arranjaria um jeito de tornar sem sentido alguma coisa dessa história. eu já estou sabendo de tudo, viu? já sei que a música se tornou para você sem sentido. um tormento, ouvi dizer. disseram ter ouvido você dizer música de uma nota só repetitiva e cansativa, mal equalizada, mal cantada, mal sentida.

Então resolvi te escrever essa carta, Sr. Plutáqueo, também porque você fará meio século de vida em breve e eu gostaria de te dizer que apesar dos pesares comuns e incomuns, individuais e coletivos, guardo das minhas memórias recortadas lindas fotografias de ti; nós dois sentados em um sofá velho cantando juntos – um verso seu, um verso meu .

As minhas fotografias são impassíveis de revelação mas nas memórias recortadas dos meus pensamentos, as fotografias mais bonitas são em você.

Te amo profundamente Sr. Plutáqueo - Meu Pai.
Ps.: Guardo também de ti a lembrança do girassol que um dia você me deu e eu sonhei que ele chegaria à lua, já pensou a lua? é, a lua. perto de mim, longe de ti!

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